Quem tem medo, contrata um cão
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Directores de grandes empresas estão a fazê-lo, condomínios privados e stands de automóveis também. Contratam equipas K9 para se sentirem seguros. O mundo não está para falinhas mansas
São os Lamborghini dos cães: bonitos, rápidos e eficientes. Contrariam a máxima de que cão que ladra não morde: mordem e não é pouco. Basta, para isso, que o seu dono (a outra metade da laranja) lhes dê ordens nesse sentido ou esteja numa situação de perigo. Nesse caso, percorrem o caminho entre melhor amigo do homem e fera insensível em menos de nada. São implacáveis a mostrar porque é que têm dentes. E são assim durante todas as suas oito horas de trabalho. Depois, quando chegam a casa, são como labradores: patéticos de tão meigos.
O serviço não é novo (a Esegur já o disponibiliza deste 2005), mas está a crescer como nunca. "Começámos com sete equipas, hoje temos 26 e comprámos agora mais quatro cães para treinar", explica Fernando Augusto, director do departamento de segurança e operações da empresa. Os cães, pastores belgas malinois, são comprados na Holanda com um ano e meio, dois anos. Desde cachorros são treinados por criadores holandeses para "só se tornarem agressivos por indicação do dono" e serem "totalmente sociáveis" em ambiente familiar.
Não está escrito no contrato - nem sequer em letras pequeninas -, mas é uma mais-valia: estes cães só percebem holandês. Ordens em português são como chinês para eles. E isto (parecendo que não) até é uma boa notícia. Significa duas coisas. Primeira: os seguranças da empresa fazem uma formação em holandês, ficando intelectualmente mais ricos. Segunda: se a meio de um assalto o assaltante quiser desistir, bem pode falar, que eles não perdoam. É que não sabem o que "desculpa" quer dizer.
Antes de obedecerem a um dono, têm, contudo, que empatizar com ele. Quando chegam a Portugal passam (também eles) por uma acção de formação. "Durante 15 dias convivem com os seguranças da Esegur para que se perceba com quem se entendem melhor. Há casos de equipas que não funcionam", conta Fernando Augusto. Depois de ajustados aos seus donos, passam à rotina: "Têm treinos de manutenção duas vezes por semana e começam a trabalhar."
Trabalham em "empresas, condomínios privados, hospitais e até em algumas moradias de administradores de empresas". São contratados como parte de uma "solução de segurança". Antes de decidir se o cliente precisa realmente de uma unidade K9 ao seu dispor, a empresa faz uma avaliação do local e do risco. "Temos equipas armadas para determinados sítios e outras que não precisam de estar armadas", diz o responsável. "É que um cão é um elemento muito dissuasor."
Mais um na família
Quando se candidatam a este posto, os seguranças da empresa sabem que vão ter de levar o trabalho para casa. No fim do dia não poderão deixar o cão no canil, ele vai lá para casa morar. As famílias têm de se compremeter a aceitar o animal. E comprometem-se. Nuno Sequeira não teve problemas em convencer a mulher a aceitar o seu colega de trabalho. "Em casa ele é um cão doméstico. Não é nada agressivo. Aliás, é um bocado chato, porque está sempre a pedir festas e anda sempre atrás de mim."
Como é o único a falar holandês lá em casa, Nuno é o responsável por todas as ordens. E como estes cães são ensinados a só comerem comida da mão do dono ("este só come mesmo à minha ordem"), é também o único a poder alimentá-lo. Até porque o cão não é bilingue: "A minha mulher pode dizer-lhe o que quiser em português que ele não reage. Respeita-a, mas não lhe obedece. E muitas vezes vem ter comigo para perceber o que é que ela quer."
Quando vê o dono vestir a farda, passa de cão doméstico a cão de segurança sem pestanejar. "Fica imediatamente mais atento", diz Nuno. E leva o conceito de lealdade a outro nível, concretiza Paulo: "Se eu me atirar para um poço ele também se atira. Se tiver de levar uma bala em vez de mim, leva." Ao mesmo tempo, é um sentimental: "Tenho um filho de quatro anos que brinca com ele a toda a hora e ele nunca respondeu mal a isso. Pelo contrário. Não representa qualquer perigo."
Quando alguém bate à porta, vão ver quem é. Se não for o dono, o caldo pode estar entornado: "São cães muito atentos. E sabem que quem não deve não teme. Por isso, se alguém fica nervoso ao pé deles, eles percebem que algo está mal e ficam ainda mais fortes. Crescem", diz Nuno. Olhando para eles em descanso, é difícil imaginar que se tornem agressivos de um momento para o outro. Mas tornam: nos treinos de manutenção ou nas provas a que são regularmente submetidos, fazem tudo menos brincar.
Os exercícios são duros: têm de mostrar o que valem em provas como "andamento ao lado", "busca de objecto", "saltos de um metro e meio em altura e quatro em comprimento", "ataque com bastão" ou "defesa do dono". É que estes cães têm de estar preparados para tudo. Um dos exercícios mais comuns é o da recusa de alimento. "Eles não podem aceitar comida de outra pessoa que não o seu condutor porque essa comida pode estar envenenada", diz Fernando Augusto.
Também é preciso ser duro com eles. "Apesar de serem sociáveis e muito obedientes, sempre que podem medem forças com o dono. Se sentirem que há ali alguma hesitação, têm tendência a querer assumir o comando", explica. E ninguém quer ver um cão destes assumir o comando. Eles podem ser agredidos que não descansam, pode ser chantageados que não desistem, podem ser ignorados que não se abalam.
Nunca tiveram de actuar até às últimas consequências. "Mas sabemos que a maior parte das vezes não chegará a ser necessário intervirem, basta estarem lá. Por exemplo, em Setúbal começámos a fazer a segurança de um entreposto automóvel que tinha sido assaltado várias vezes nos últimos três meses. Desde que a segurança é feita por uma unidade K9 deixou de ser assaltado. Não é por acaso."
Como um carro topo de gama, um pastor belga malinois ensinado não é uma encomenda barata. Custa quatro a cinco mil euros e significa uma despesa de 500 a 600 euros por mês. É provavelmente por isso, diz Fernando Augusto, que a empresa é a única a disponibilizar este serviço de segurança privada em Portugal. Por fazerem parte de um projecto recente, as unidades K9 ainda têm rédea solta. Por exemplo: "Não sabemos ainda o que vamos fazer quando os cães chegarem à idade da reforma. Com dez anos estarão já muito cansados. Mas nem queremos pensar nisso para já. Os nossos seguranças estabeleceram relações tão próximas com os cães que nem queremos pensar nisso." Uma solução é transformá-los em actores. Afinal, o cão não era a personagem principal do filme com James Belushi K9 - "O Agente Canino"? Ou, no Brasil, "Um Policial Bom pra Cachorro"?